FRAGMENTOS

PIN UP

‘O americano não ama realmente nada a não ser seu automóvel: nem a mulher e o filho nem seu país nem mesmo sua conta no banco tanto (na realidade ele não ama sua conta bancária tanto quanto costumam os estrangeiros pensar porque é capaz de gastar quase tudo ou tudo para comprar qualquer coisa desde que ela seja suficientemente fútil) quanto seu automóvel. Porque o automóvel se tornou nosso símbolo sexual nacional. Não sabemos realmente curtir coisa nenhuma a não ser que por um desvio se possa ir até lá. Entretanto toda a nossa origem e criação e educação proíbem o escuso e o clandestino. Assim temos de nos divorciar de nossa esposa hoje a fim de remover de nossa amante essa pecha de amante a fim de nos divorciarmos da esposa amanhã a fim de remover de nossa amante e assim por diante. Em decorrência disso a mulher americana se tornou fria e subsexuada; ela projetou sua libido no automóvel não só porque os brilhos e penduricalhos e mobilidade dela são cúmplices da sua vaidade e incapacidade (por causa das roupas que lhe são impostas pela associação nacional dos varejistas) de andar mas também porque ele não vai querer apertá-la, estragar seu cabelo, deixá-la toda suada e descomposta. Assim a fim de capturar e dominar ainda um mínimo qualquer que seja dela o homem americano tem de fazer com que esse carro seja seu. Que ele viva por isso num buraco infecto alugado desde contudo que não só tenha o seu mas o troque todo ano por um novo em prístina virgindade, não o emprestando a ninguém, não deixando que nenhuma outra mão jamais conheça a intimidade última secreta para sempre casta para sempre lasciva de seus pedais e alavancas, não tendo é bem verdade aonde ir com ele e se o tivesse não iria onde arranhões ou manchas pudessem desfigurá-lo, dedicando todas as manhãs de domingo a lavar e encerar e polir o carro porque ele está acariciando ao fazê-lo o corpo da mulher que há muito lhe negou sua cama.’

‘Isso não é verdade’, ele disse.

‘Eu já passo dos cinquenta anos’, seu tio disse. ‘E foi embaixo de saias que passei os quinze do meio. Minha experiência é que poucas delas estavam interessadas no amor ou mesmo em sexo. Só queriam casar.’

‘Continuo não acreditando’, ele disse.

‘Está certo’, seu tio disse. ‘Pois continue. E mesmo quando você passar dos cinquenta recuse-se ainda a acreditar.’

William Faulkner, O Intruso