NÃO SE ENGANE com sua aparência recatada, sua timidez fingida, sua vaidade dissimulada: em todo peito escritor arde a chama devoradora da vaidade extrema. Qual é a medida da soberba que leva alguém a crer que, milhares de anos e infinitos livros depois; que, depois de Hemingway, Kafka, Faulkner, Tolstói e Baudelaire, só por exemplo, tenha restado algo a ser dito? Que qualquer frase poderá ser dita de maneira mais elegante ou crua, mais incisiva, mais explosiva?
Mas o escritor, todo escritor, esse narciso incorrigível, acredita ter encontrado o enredo original, a frase perfeita, o verso definitivo, a metáfora perdida. Acredita, veja só!, ter algo a dizer ou, nos doentes mais extremos, a ensinar.
Todo escritor, por mais humilde, recluso ou despojado que finja ser, almeja a admiração, o aplauso, o reconhecimento. Almeja ser amado como qualquer outro, esse ser tão banal.
Todo escritor, menos o Escritor Fantasma. Da profundeza da sombra ele é o único a alcançar a consciência de que jamais receberá em seu próprio nome o amor do público. O Fantasma Que Escreve sabe que para outro serão os louros da sua escrita.
O Fantasma Que Escreve é o único, na miríade de penas insensatas que infestam e importunam o mundo, que descobriu seu lugar e papel na comédia cósmica representada pelo gênero humano.
O Fantasma Que Escreve compreendeu que permanecerá para sempre desconhecido.
O Fantasma Escritor, humilde, aceitou seu destino.
Em paz ele se debruça sobre mais um original. Feiticeiros e dragões, espadas e fogo, caminhantes brancos e tubarões alados emergem da pena frenética. Mais um estrondoso sucesso está prestes a ascender ao topo do mundo, mas ele não estará lá, mas ele não se importa. Ele aprendeu a não se importar.
Que o livro viva.
Só isso importa.
Na solidão de seu castelo, enquanto traça na penumbra linhas fantásticas, o Fantasma Que Escreve sorri.
* “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”